07/11/2025

STF exige do Congresso instituição do imposto sobre grandes fortunas

Por: Beatriz Olivon e Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por maioria de votos, a
omissão do Congresso Nacional para regulamentar o imposto sobre
grandes fortunas, previsto pela Constituição Federal de 1988. Porém, ao
contrário de outros casos julgados, não impôs prazo para a instituição do
tributo. A decisão seria uma “advertência institucional”, segundo afirmou o
ministro Alexandre de Moraes, que presidiu a sessão de ontem.
O precedente, segundo especialistas, é importante por fomentar o debate em
torno da instituição do imposto sobre grandes fortunas e mostrar que o
Judiciário busca se alinhar ao Executivo no que se refere à justiça tributária.
Estudo sobre o assunto divulgado no ano passado, na Fundação Getulio Vargas
(FGV), mostra que mais de 50 projetos de lei complementar, ora de iniciativa
do Senado, ora de iniciativa da Câmara dos Deputados, foram apresentados, no
intervalo entre os anos de 1989 e 2023, mas nenhum deles foi efetivamente
aprovado.
“Se nenhum projeto foi aprovado é porque não há interesse” Gabriel
Quintanilha
“Já foram apresentados inúmeros projetos de lei sobre o assunto. E se nenhum
foi aprovado é porque não há interesse”, afirma Gabriel Quintanilha, professor
da FGV Direito Rio, acrescentando que a decisão dos ministros é contrária à
própria jurisprudência do STF, que costuma entender que a inexistência de lei
tributária equivale à opção legislativa legítima pela não instituição do tributo.
No Supremo, o tema foi julgado em ação de autoria do Psol, sob a alegação de
que a Constituição Federal prevê sete impostos federais e, à exceção do que
trata de grandes fortunas, todos os demais estão regulados (ADO 55). Para o
partido, mais de três décadas depois, esse dispositivo constitucional “permanece
letra morta”, por falta da lei complementar. O imposto, acrescenta, poderia
arrecadar cerca de R$ 40 bilhões, ao incidir sobre fortunas acima de R$ 10
milhões.
Primeiro a votar, o ministro Flávio Dino afirmou que o tema desperta muita
atenção, porque é o único dos tributos previstos na Constituição que jamais foi
implementado. “Temos uma situação claramente de omissão constitucional”,
afirmou.
O ministro citou supostos inconvenientes na instituição do imposto sobre
grandes fortunas, como a técnica a ser empregada e se a cobrança levaria ao
afastamento de capitais, mas disse que esse debate não cabe ao STF, mas ao
Congresso. “Não há mais razoabilidade para a mora”, afirmou. O ministro
propôs o prazo de 24 meses para a edição da lei sobre tributação de grandes
fortunas.
A instituição de prazo, negada agora, já foi adotada em ao menos dois casos
julgados neste ano. Em outubro, o STF deu prazo de 24 meses para a edição
pelo Congresso de uma lei para proteger trabalhadores urbanos e rurais dos
impactos da automação (ADO 73). Em maio, o prazo estabelecido foi de 180
dias para lei que defina como crime a retenção dolosa de salários (ADO 82).
Não foi fixado prazo no caso do imposto sobre grandes fortunas por maioria
de votos. Os ministros consideraram que seria necessário realizar mais estudos
sobre o tema para evitar eventual fuga de capitais.
Assim como Dino, o ministro Cristiano Zanin também considerou evidente a
mora, mas divergiu na discussão sobre a imposição de prazo. “Se o Brasil criar
esse imposto apenas aqui, teríamos a possibilidade de haver fuga de capital e
patrimônio. Por isso que a instituição internacional desse imposto poderia ter
um reflexo mais positivo”, afirmou.
No mesmo sentido, o ministro Kassio Nunes Marques destacou que há uma
omissão, mas “cercada por muitas dificuldades”, e que a opção legislativa por
vezes é uma omissão calculada por uma decisão política de não enfrentar o
tema. Seguiram o mesmo entendimento os ministros Dias Toffoli, Cármen
Lúcia e Alexandre de Moraes. Na mesma linha foi o voto do relator, ministro
Marco Aurélio Mello (aposentado).
Moraes, que presidiu a sessão, afirmou que diversos países já aprovaram esse
imposto, mas que a prática levou à fuga de capitais em alguns países como a
França, o que exigiria um estudo mais complexo pelo Congresso para a criação
do tributo.
O ministro Luiz Fux divergiu, negando o pedido do PSOL. “Temos que
respeitar a opção política. Não é uma discricionariedade, é uma opção política
do governo”, disse ele, criticando a opção da maioria por não impor um prazo.
“Reconhecer o estado de omissão, e aí? Qual o resultado prático da decisão
judicial?”, questionou Fux.
Para o ministro Flávio Dino, se o Congresso entender que não deve haver
imposto sobre grandes fortunas, pode revogar a previsão constitucional. O que
não é possível, acrescentou, é o “absurdo” de uma cláusula constitucional
vigente sem eficácia por quase 40 anos. “Se o Congresso acha que não deve
existir imposto sobre grandes fortunas no Brasil, revoga.”
Na sessão de ontem, os ministros afirmaram que existem pelo menos 30
projetos de lei sobre taxação de grandes fortunas parados no Congresso
Nacional.
Sócio-fundador do escritório Guerzoni Advogados, Aurélio Longo Guerzoni
entende que a ausência de fixação de prazo ao Congresso Nacional para a
instituição do imposto evidencia a falta de efetividade da decisão. “Trata-se
essencialmente de uma advertência institucional, que preserva a autonomia do
Poder Legislativo para deliberar sobre o tema conforme a conveniência política
do momento”, afirma.
O julgamento, segundo Letícia Schroeder Micchelucci, sócia do escritório
Loeser Hadad Advogados, mostra que o Judiciário busca se alinhar ao
Executivo no que se refere à justiça tributária. “Ainda que sem efeitos
imediatos, a decisão reforça a tendência de recomposição da carga tributária,
com possível deslocamento do peso sobre o consumo e produção para a renda
e o patrimônio, o que pode redesenhar, a médio prazo, todas as atuais
estratégias econômicas e financeiras dos contribuintes.”
Os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin não participaram da sessão. O
ministro André Mendonça não votou porque entrou na vaga do ministro Marco
Aurélio Mello, que já havia votado no caso.